A atividade de "guardar" carros se tornou corriqueira nas ruas de Sorocaba, é aceita como algo inevitável e até normal pelas autoridades do trânsito e da segurança pública, mas está longe de ser unanimidade entre os motoristas. Alguns veem esses trabalhadores informais com simpatia e acreditam que eles contribuem para evitar furtos e danos aos veículos estacionados em vias públicas; outros se sentem chantageados por eles, e relatam experiências traumáticas que beiram a ameaça e a extorsão.
A divergência de opiniões é compreensível, diante da ausência de um padrão de serviço e de relacionamento entre esses trabalhadores e sua clientela. Mais do que isso, porém, a discrepância se impõe pela própria dificuldade de se definir a real natureza dessa atividade. O que o flanelinha "vende", afinal? O serviço (que alguns efetivamente prestam, outros não) de vigiar os carros estacionados em vias públicas? Ou o direito de estacionar em espaço público sem ficar exposto a uma represália do próprio flanelinha?
A primeira hipótese torna mais fácil a aceitação. Há, na verdade, muitos clientes que se sentem satisfeitos com a atuação dos guardadores de carros, como registrou a reportagem deste jornal no domingo. Infelizmente, porém, também são muitos os relatos sobre flanelinhas que extrapolam o mero oferecimento de um serviço sem exigência de remuneração, e partem para a intimidação contra os que não lhes dão dinheiro, chegando mesmo a proibir o estacionamento aos "não clientes".
Ao agir dessa forma, enveredam pelo terreno do crime, e comprometem o ganha-pão informal, porém honesto, daqueles que levam o trabalho a sério e mantêm um relacionamento ético com a população. Os que trabalham corretamente também são prejudicados pelo "loteamento" de áreas centrais por pessoas que as exploram, como se fossem proprietárias do espaço público. O surgimento de "donos" e "gerentes" de "pontos" é típico das atividades informais que acabam sendo cooptadas por criminosos e contraventores.
Como sempre ocorre quando um problema é apresentado pela imprensa ou se torna alvo de reclamações, já se fala em proibir os flanelinhas, pura e simplesmente. É, realmente, uma forma eficaz de resolver o problema - no papel. Não responde à questão social implícita (a necessidade de sobrevivência), nem assegura que os maus elementos sairão de circulação. Aliás, é bem provável que, ao jogar na marginalidade os flanelinhas, a proibição preserve apenas os maus elementos, levando os bons a buscar outra forma de ganhar a vida.
Mais razoável seria definir uma forma de atuação realmente útil para os guardadores de carros e trazê-los para a legalidade, com mecanismos que permitam identificá-los e manter um diálogo permanente com eles - além de normas de atuação e conduta as quais fiquem obrigados a observar. Já que não há policiais, guardas civis e amarelinhos para guardar todas as vias públicas, o auxílio dos guardadores de carros, desde que exerçam essa ocupação de fato, não deveria ser sumariamente descartado.
Até onde se pode perceber, tanto os abusos cometidos por alguns desses indivíduos quanto o "loteamento" de espaços públicos surgem da ausência de normas e de controle por parte do poder público. Com um pouco de boa vontade, é possível colocar essa atividade dentro da lei e eliminar os comportamentos abusivos, levando os próprios credenciados a fiscalizar as ruas para que maus elementos não venham extorquir os motoristas. Isso é mais trabalhoso, mas também é mais proveitoso do que simplesmente proibir.
FONTE CRUZEIRO DO SUL
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